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Coaching & Mentoring com Héctor Lisondo: um relato de caso

Uma incursão no desconhecido – essas poucas palavras ajudam a definir capacidade negativa, que é nossa faculdade de lidar com a incerteza, o mistério e a dúvida, mantendo nível baixo de ansiedade. Quanto maior a capacidade negativa, mais a pessoa consegue viver uma situação difícil sem ceder ao primeiro impulso para se ver livre dela. A capacidade negativa nos permite refletir, rever, ponderar, mesmo em circunstâncias adversas.
Existe ainda a capacidade positiva, aquela que utilizamos para compreender o mundo e agir nele partindo de algo conhecido. Refere-se ao conhecimento obtido por observação, dedução, indução, experimentação. Enfim, é o conhecimento adquirido racionalmente. O domínio de uma técnica industrial, por exemplo, é tipicamente uma capacidade positiva.
A expressão capacidade negativa, introduzida na psicanálise por Wilfred Bion , foi utilizada em administração pelos professores britânicos French, Simons e Harvey . Eles também falam de capacidade positiva como complemento e contraponto à capacidade negativa — termo que o poeta John Keats já teria utilizado no início do século XIX.
Vejamos um caso verídico, cujos dados foram alterados aqui para preservar identidades. Rafael acreditava cada vez mais que a eficácia do seu papel como coach estivesse vivamente relacionada à integração das capacidades positiva e negativa. Na sua longa experiência profissional como executivo, pôde explorar a dinâmica entre esses fatores.
Edson, um engenheiro com especialização em tecnologia da informação, 36 anos, era supervisor de TI de um banco. Sua função era essencial, pois obviamente a organização dependia da qualidade e da presteza de seu setor.
Edson havia passado por várias experiências em empresas nas quais não se tinha encontrado. Sua história na informática havia começado de uma maneira algo singular. Ainda rapazote, aceitou uma função que envolvia conhecimentos de informática que, na verdade, ele não tinha. Estudou muito, tomou gosto, deu certo na função e acabou direcionando seus estudos e toda a vida profissional para TI. Ele, entretanto, não se estabilizava nos empregos, mesmo conseguindo resultados, porque em vez de construir relacionamentos, refugiava-se na individualidade e na racionalidade. Tinha dificuldade para expressar e receber afetos. Concentrava-se na perspectiva técnica, entregando-se à sua grande capacidade positiva. Não se atrevia a estabelecer relacionamentos e comunicar afetos, tinha medo e não sabia como fazê-lo. Sua vida interior, entretanto, contrastava com a exterior, pois ele era capaz de empatia e de identificação com outras pessoas. Não criava vínculos devido ao temor que lhe ocasionavam os afetos.
Sentia-se angustiado e ansioso com as constantes mudanças de emprego. Sempre esperava que uma nova corporação lhe mostrasse seu caminho, ao invés de assumir sua responsabilidade nisso.
A dificuldade no exercício da capacidade negativa resultava em dispersão, na necessidade de fazer algo logo para não enfrentar a incômoda realidade interna de não saber o que fazer.
Nas fases iniciais do trabalho com Rafael, Edson relatou uma crise com um subordinado, responsável pelo setor de TI em uma sucursal do banco, distante da matriz onde ele e sua equipe trabalhavam, mas que estava sob sua responsabilidade final. O subordinado anterior, indicado por Edson, havia se demitido, deixando acéfalo o grupo que conduzia. O fantasma do descontrole atiçou a ansiedade de Edson, que, então, logo recomendou a promoção de um técnico muito competente da equipe central, para ocupar o cargo. Esse técnico, no entanto, não tardou em cometer falhas expressivas de coordenação que puseram em risco o sistema da sucursal e, dizia Edson, o prestígio dele próprio, assim como o de toda a equipe. Ele reconhecia que o técnico estava falhando, mas não se percebia como responsável por isso.
E qual seria sua responsabilidade? — perguntava-se na sessão com Rafael. Era ter indicado o técnico sem refletir, emocionalmente, comandado pela necessidade de remover a própria ansiedade frente a uma situação que julgava fora de controle e, portanto, o mortificava. Rafael, percebendo as respostas de Edson contaminadas pela emoção, desorganizadas, decidiu recorrer à razão na leitura da realidade como fator de equilíbrio. Na reflexão serena do processo de coaching, convidou o coachee a relacionar as competências que aquela função exigia, confrontando-as com as do técnico. Em conjunto, estabeleceram este quadro:

 

 

Indagado por Rafael sobre seus sentimentos frente a essa conjuntura, Edson contou que estava irritado e frustrado com o subordinado. Este parecia estar desperdiçando uma ótima oportunidade e decepcionando-o. Nesse contexto, compreendeu — com uma mistura de surpresa, frustração e, por fim, alívio — os subterfúgios do funcionamento inconsciente da projeção. Pois não era o técnico que havia falhado, mas o próprio Edson ao fazer uma indicação inadequada. Essa avaliação objetiva agora lhe parecia gritantemente óbvia. Passou então a irritar-se com ele próprio.
“Por que não fiz essa análise antes de atuar?” Perguntou-se.
Aventou a hipótese de que, para não ter de suportar a ansiedade, partiu para a ação. Faltou-lhe capacidade negativa para tolerar o não saber e poder pensar. Por outro lado, tinha consciência de que, quando em paz, sabia pensar! Faltou-lhe o não fazer reflexivo, que por meio da fé nas próprias competências possibilita o espaço para criatividade.
Cogitou que talvez conviver com a falta do coordenador, durante o tempo que permitisse encontrar uma pessoa mais preparada para a função, teria originado menos inconvenientes na filial e no departamento dele. Essa descoberta o abalou. Mas esse intervalo sem controle era impensável para ele naquela época. Com tal percepção, entrou em contato com a dinâmica que até então comandava suas decisões e o embate com as consequências.
Mais ainda, descobriu no processo de coaching que mesmo ele não estava preparado para algumas das demandas que a situação exigia do seu técnico — por exemplo, liderança, habilidade política, gestão de conflitos e de ambiguidades. Agora, contrariado consigo mesmo, percebia-se injusto e culpado. Viu que esperava do subordinado feitos para os quais ele próprio não tinha habilidade, que teria de desenvolver para progredir na carreira. Por essa percepção da realidade, ficou estabelecido um alvo do processo de coaching para crescimento pessoal e profissional: desenvolver a capacidade de pensar em situações de ansiedade.
Na empresa, Edson conseguiu contornar a conjuntura da sucursal ajudando o seu técnico com um plano de contingência para as questões operativas, o que foi relativamente fácil para ambos, pois eram muito competentes na capacidade positiva.
Para resolver as questões de interface relacional, Edson aumentou a frequência às sessões de coaching a fim de melhor compatibilizar sua vida interna com a realidade externa. Enfrentou diretamente as situações que envolviam competências para as quais o técnico não estava preparado, ao mesmo tempo ensinando e aprendendo com ele. Corajosamente, buscou administrar nessa oportunidade a integração entre razão e emoção.
Edson demonstrou, logo no início do processo, seu comprometimento com uma perfeição olímpica e radical; onipotente. Rafael as intuía como um refúgio ou resguardo diante das emoções. Buscaria perfeição na qualidade técnica para compensar a imperfeição que sentia na área interpessoal?
Quando procurou Rafael, Edson não tinha clareza sobre as suas pretensões. Talvez o objetivo inicial fosse descobrir o que queria. Estava frustrado e confuso na sua relação com o banco. Procurou coaching porque tinha consciência de ter um potencial de competências que não estava podendo trazer à tona. Intuía que sua frustração estaria mais relacionada com ele mesmo do que com a instituição.
A leitura que Edson fazia desse contexto sugeriu a Rafael que o cliente estivesse em contato com seu próprio mundo interior, um bom prognóstico para o processo. Para iniciar, estabeleceram objetivos como identificar as amarras que lhe impediam uma interação mais leve e eficaz com o entorno profissional e ainda, se possível, delinear algumas maneiras para contorná-las.
Outro objetivo foi trazer à tona o que o emprego naquela instituição significava para ele. Nesse sentido, Edson também estava confuso e ambíguo: por um lado, pensava em mudar de emprego; por outro, queria melhorar seus resultados e, por fim, cogitava preparar-se para abrir uma empresa própria para soluções de informática. Por isso, foi firmado também o objetivo de construir uma visão de futuro para sua vida profissional. O trabalho de Rafael transformou-se em mentoring, pela sua extensão e pelos objetivos de desenvolvimento profissional e pessoal.
Durante o processo, Edson manifestou dificuldades de base emocional, relacionadas à sua infância. Houve falta de presença dos progenitores, aliada à cobrança excessiva do pai, mesmo sem acompanhar o filho de perto. O mentoring revelou que uma das dificuldades de liderança por parte de Edson era a sua própria falta de presença, evidenciada em situações vividas com os subordinados.
A certa altura, ele próprio verbalizou uma constatação dolorosa: “A minha passividade pode ter sido interpretada por eles como arrogância ou, no mínimo, comodismo”. Mentor e mentee, ao longo das sessões, chegaram à conclusão de que a eficácia exigida pelo cargo de Edson estava diretamente relacionada a uma presença muito mais expressiva e, ainda por cima, ao gerenciamento interno e emocional da interação entre as capacidades positiva e negativa. Trabalharam um bom tempo com esses objetivos, e os resultados foram surgindo.
De início, era como se distintas facções estivessem cindidas dentro da alma de Edson, onde se digladiavam em uma longa guerra civil. Rafael cogitou que para ocorrer uma reconciliação entre essas partes deveria primeiro haver uma reconciliação com o pai interiorizado e com o pai real, nos quais Edson projetava a sua infelicidade. Sem pensar, ele os colocava no lugar de expectadores imaginários para os quais fazia todas as suas proezas.
A correção das distorções que a vida deixou na personalidade de Edson demandaria um processo de terapia, pois a instalação desses paradigmas pessoais era muito arcaica e eles operavam no seu inconsciente com grande força. Edson percebeu e aceitou essa realidade. Incluiu terapia no seu plano de vida futuro.
A identificação e a decantação inicial das emoções mais perturbadoras foram mais rápidas do que Rafael esperava. E, aos poucos, Edson foi se atrevendo a adentrar no diálogo familiar, o que para ele representou uma tremenda prova de capacidade negativa. Com o trabalho, Edson notou que estava ficando mais empático, como apontavam os feedbacks que recebia no banco. Ele se surpreendia com o enorme potencial existente nas penumbras de sua vida emocional. A disposição de Edson para explorar seu mundo interno e reequilibrá-lo com o mundo externo foi decisiva para seu desenvolvimento.
Este caso, um dos primeiros atendidos por Rafael como coach, reafirmou para ele a importância de se olhar para as capacidades negativa e positiva em processos de coaching e mentoring.

 

[1] Bion, W.R.  Attention and Interpretation, Ed. Fletcher & Son Ltd., Norwich, Norfolk, England,1970.

[1] Simpson, P., French, R., Harvey, C. “Leadership and Negative Capability”, Human Relations, [0018-7267(200209)55:10], Volume 55(10): 1209–1226: 028081, SAGE Publications – London, 2002

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