Este site usa cookies. Os cookies neste site são usados ​​para personalizar o conteúdo, fornecer recursos de mídia social e analisar o tráfego. Além disso, compartilhamos informações sobre o uso do site com nossos parceiros de mídia social, publicidade e análise da web, que podem combiná-las com outras informações que você forneceu a eles ou que eles coletaram do uso de seus serviços.
Concordo

O Filme ” Assunto de Família”: sobre laços, leis e devires

O filme ” Assunto de Família” (dirigido pelo diretor Hirokazu Kore-eda) oferece uma profusão de elementos para pensar a instituição da família, seus laços, suas leis, seus devires. Em 2018, na Ilustríssima Walter Porto resenhou a trajetória do premiado diretor. Sobre ” Assunto de Família” (contém spoiler) discorreu:

” …Em “Assunto de Família”, ele se aproxima do tema não pelo destroçamento, mas pela construção. Seu olhar centra-se em um núcleo familiar sólido (mesmo que atípico) que traz para dentro de casa uma menina pequena com todos os sinais de abuso parental.

Como sugerido de forma clara pelo título original —que se traduz literalmente por “família de ladrões”—, o grupo que protagoniza a obra, composto de duas mulheres, uma idosa, um homem e duas crianças, vive à margem da sociedade e recorre a pequenos delitos para sobreviver…” 

A pergunta ” O que é uma família?” parece ser um dos dínamos que inspira a obra do aclamado diretor.  O paradoxo de uma instituição que protege e expõe, de crimes secretos e ternos momentos é fulgurante revelação em ” Assunto de Família”.  Descobre-se no decorrer da trama que a natureza dos laços estabelecidos não é biológica.  As crianças são roubadas ou adotadas? Nenhuma dessas descrições talvez sejam precisas. As crianças são protegidas ou violentadas nessa “amorosa-captura”?  De todas formas, ao apresentar uma família que se agrega e se escolhe por circunstâncias vividas no decorrer dessas histórias, o filme realça o que é inescapável na tarefa de pertencer a uma família:  nossas teias afetivas e nosso reconhecimento no grupo passa por um processo simbólico de ” adotar” nossos pais, ” adotar” nossos filhos, ” adotar nossa história”.  Inúmeros autores da psicanálise têm sublinhado essa delicada jornada.   Na nossa perspectiva, os mitos são preciosos faróis.  Fernando Pessoa diria: ” o mito é o nada que é tudo”. Vale lembrar que segundo o Livro do Êxodo, Moisés foi adotado pela filha do faraó.  A adoção é processo recorrente nos mitos que ancoram o repertório da sociedade ocidental.  Édipo, uma das figuras mais emblemáticas para a psicanálise também ilustra essa aventura trágica: a busca por reconhecer-se/ conhecer-se e o que se desvela quando descobre a verdade: sua adoção e suas origens. A filiação é sempre um processo imantado de forças misteriosas.

Outra chave de leitura para o filme passa pela relação com a lei.  “A família de ladrões” se sustenta a partir dos roubos cometidos. E é na transmissão da ” arte de furtar” que o personagem “pai” Shibata investe a família.  Posteriormente, em um momento em que todo esse arranjo desmorona, ele será interrogado por um policial. A pergunta: “Por que ensinou o seu filho a roubar?” é respondida da seguinte forma: ” Porque era a única coisa que sabia fazer”.  O Sr. Shibata realça a força do seu desejo de transmitir, fazer marca, oferecer algo de si. Poderia ter respondido ao policial: ” se não roubássemos, passaríamos fome”.  Não o faz. É no momento do colapso dessa organização, no enfrentamento com a instância da lei que os personagens ganham outras camadas de sentidos para si próprios. Dores são elaboradas, verdades são enunciadas e histórias revisitadas.

O caráter fundante e organizador da lei é também nevrálgico no âmbito das famílias empresárias. De todas as famílias, poderíamos dizer. É verdade. Se somos sujeitos, estamos submetidos aos pactos e contratos que regulam a nossa vida social. A particularidade das famílias empresárias é a sistemática experiência de interface com esse registro em instituições que se enredam mutuamente: a da família e a da empresa. Regras, limites, acordos são ingredientes colocados à prova no cotidiano de uma família às voltas com esse desafio: o de escrever e seguir as leis que regularão seu funcionamento.

Em debate promovido recentemente sobre o filme,  Walter Porto retoma: “o diretor não busca julgar nenhum dos personagens. Ele não endossa suas ações, mas também não as mostra com uma lente moralizante. “A prisão no final do filme é menos que uma punição, mas é um caminho inevitável para o modo como viviam”. 

A lente sensível de Kore-eda ilumina essa família nas suas múltiplas camadas. Se há algo de insustentável à espreita, há também alicerces que irradiam vitalidade.   Talvez uma das cenas que sintetizem essa acepção é o momento no qual as crianças são flagradas no seu roubo em uma loja de conveniência. O dono do estabelecimento capta o movimento, nomeia o que viu, e, na sequência, oferece dois canudos açucarados a eles.  Trata-se de uma intervenção pautada na esperança de sujeitos que possam vir a se responsabilizar e compreender os efeitos de seus atos.  É um caminho diferente de uma punição violenta.  A lei se encarna na gramática de afetos que circulam e na aposta de vínculos significativos. Os meninos ficam profundamente mobilizados por esse acontecimento, e pode-se situar um ponto de inflexão no filme a partir daí: nada será como tem sido a partir desse momento.

A cena dos canudos açucarados na loja de conveniência pode ser articulada com elementos de uma família psiquicamente desenvolvida. Novamente: essa é uma chave interpretativa possível. Há quem possa nomear a experiência das crianças ” soltas” como irresponsável atitude do grupo.  No entanto, iluminamos aqui o que há de força vital em uma família que estimula as trocas e intercâmbios com o mundo, que incentiva a experimentação fora de suas fronteiras, que não se vê ameaçada pelos devires e perguntas que virão a partir dessas experiências.  É o que ocorre no filme.  As crianças não serão as mesmas após os canudos açucarados. E só puderam ser outras graças justamente à licença do clã Shibata para descobrirem outras referências e ensinamentos. A família Shibata é seu veneno e seu antídoto.

E no final somos todos prisioneiros salvos pelas suas frestas.

O filme está disponível na Netflix

 

 

COMPARTILHAR

ÓTIMA GESTÃO

A ÓTIMA Estratégia e Gestão é uma empresa de Consultoria e Treinamento de Gestão, nas áreas de Planejamento Estratégico, Sistemas de Gestão, Treinamentos e Projetos de Melhoria Lean 6 sigma. Tem como foco o desenvolvimento de projetos que tragam ganhos significativos em produtividade, qualidade e redução www.otimaeg.com.br

ROGÉRIO YUJI TSUKAMÓTO

Prof. e coordenador dos programas de Gestão de Empresas Familiares (EAESP-FGV/SP); Prof. de Empreendedorismo, História Empresarial e Sucessão Familiar em programas executivos da USP, Fundace e INEPAD; Membro do IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa Mestre em Business Administration pela The Wharton School of the University of  Pennsylvania (EUA). Um dos mais renomados consultores, em planejamento sucessório para empresas familiares em diversos segmentos, como: Cosan, Petróleo Ipiranga, O Boticário, Tigre, Ajinomoto, ABERT (Rádio e TV), ABRAS (Supermercados), SindPetro e muitas outras. info@gestare.com.br

Héctor Lisondo

O Instituto Lisondo é uma Consultoria Boutique fundada em 1998 com o propósito de promover o desenvolvimento de pessoas e empresas através de propostas customizadas e bifocais (aspectos técnicos e humanos simultaneamente abordados).

Conheça mais

Valéria Lisondo

Biblioteca Virtual

Nosso acervo virtual gratuito.

Veja mais

A Família Empresária: Empreendedores, Empresas, Famílias e seus Desafios

Comprar

Gerência sem Catástrofe ou Catástrofe sem Gerência

Esta obra retrata aspectos institucionais, técnicos, psicológicos e existenciais de uma história vivida pelo autor em organizações e situações reais. Os principais polos da vida corporativa, tais como hierarquia, poder, liderança, trabalho de grupo, mudanças e resistências estão integrados com as concomitantes experiências emocionais que têm lugar no entorno do personagem central.

Comprar

Empresas Familiares e Famílias Empresárias

No nosso capítulo destacamos a dimensão de sofrimento inerente à conquista de resultados nesses contextos. Resultados compreendidos não apenas pela métrica financeira, mas também pela estruturação de uma governança sadia. De Coordenação: Roberta Nioac Prado

Comprar

Empresas Familiares Uma Visão Interdisciplinar

A obra, com participação de Héctor e Valéria Lisondo, é resultado dos debates multidisciplinares que ocorrem nos encontros do Grupo de Estudos de Empresas Familiares da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Comprar

Mudança sem Catástrofe ou Catástrofe sem Mudanças

Esse livro é o resultado da confluência de algumas descobertas da psicanálise aplicadas à organização. Oferece aos líderes alternativas de reflexão para melhorar os seus resultados,  convidando-os para uma mudança pessoal.

Comprar

Inovação Organizacional e Tecnológica

O livro focaliza a crucial questão da inovação desde múltiplos vértices tais como: o tecnológico, o organizacional, do empreendedorismo e desde a perspectiva psicológica onde se aborda o grupo como um organismo em permanente evolução na busca e na afirmação da sua identidade grupal.

Comprar
Instituto Lisondo
Rua Paraguaçu 174, conj.31, Perdizes CEP: 05006-010, São Paulo/SP
Instagram
Facebook
LinkedIn
Spotify
Copyright 2023 - Instituto Lisondo. Todos os direitos reservados. O conteúdo deste site não pode ser reproduzido, distribuído, transmitido ou usado, exceto com a permissão prévia por escrito. Site by Miss Lily